FICHA LIMPA E O MITO

Muitos brasileiros ainda continuam sem voz, sem vez e sem internet. De fato, o futuro das comunicações é promissor, mas está longe de um ideal. Difícil imaginar se o projeto atingisse muitos parlamentares brasileiros seria aprovado tão rapidamente, ou até mesmo quais seriam os participantes da política brasileira se a força da população fosse efetiva.













JUSTIÇA - O Projeto Ficha Limpa vem gerando ampla discussão e muita publicidade sobre a preocupação com a moral e o respeito no que concerne aos interesses públicos. Normalmente em tempos de desconfiança da sociedade sobre o comportamento das instituições representativas é comum propostas de mudanças no sentido de manter a aparente organização do sistema. Caso contrário, com a efetivação das transformações haveria comprometimento do núcleo duro do poder, possivelmente com a definição de uma democracia popular. Muitas vezes a própria manifestação social serve de referência para discursos acalorados, para no final perpetuar as artimanhas e o simulacro.

No caso deste projeto de moralização do espaço político brasileiro, a proposta é extirpar dos quadros eleitorais líderes que cometeram crimes contra a população e, portanto, devem ser condenados pela justiça. A pergunta que sobressai: será que esta é uma medida que vai gerar resultados para a coletividade ou apenas visa à maquilagem de uma realidade que não se quer mudar? Por que os partidos de direita, muitos reacionários defendem o projeto em tempos de movimentos sociais na América latina e crises globais? Não se deve esquecer que sobre o Brasil pesa a representação de uma região que se mostra estratégica num mundo globalizado, devido ao seu crescimento econômico e riquezas naturais.
 
Sem dúvida, o movimento é legítimo, pois em sua liderança há pessoas absolutamente sérias e preocupadas com as injustiças sociais, causadas por políticos desonestos e perdulários, preocupados com grupos econômicos, em detrimento da sociedade, com uso de dinheiro que serviriam aos interesses da coletividade. Entretanto, não se deve esquecer que a justiça é definida por homens políticos, os quais têm seus interesses e determinam a ordem numa visão sistêmica dominante. No senso comum, o qual não deve ser desprezado, é recorrente a afirmação: “aos amigos tudo e aos inimigos a lei”. Talvez fosse importante lembrar aos intelectuais a "Microfísica do Poder" de Michel Foucault. Os ficha limpas da justiça podem ser os ficha sujas da sociedade para a continuidade de um processo que se perpetua. 

Alguns pontos precisam ser analisados no processo de aprovação do projeto. Os grandes meios de comunicação dão publicidade de modo efusivo ao tema e exige a aprovação da lei. Qual a razão deste apoio exagerado? Seria o interesse pela busca de uma sociedade mais humana, mais democrática e igual? Em poucos momentos a direita brasileira falou tanto em moralidade, e até mesmo partidos que foram responsáveis por torturas no passado e que modificaram o nome da sigla partidária, agora se arvoram de nobres representantes da legitimidade, da transparência pública e severidade para os maus e foras da lei. 

Como analisar a força da sociedade? A internet já pode servir como instrumento de participação popular no espaço da esfera pública? Os quase dois milhões de internautas que enviaram emails para os congressistas certamente não representam a coletividade formada por cerca de 180 milhões de brasileiros. Muitos destes ainda continuam sem voz, sem vez e sem internet. De fato, o futuro das comunicações é promissor, mas está longe de um ideal. Difícil imaginar, mas se o projeto atingisse muitos parlamentares brasileiros realmente seria aprovado tão rapidamente? Ou ainda, quais seriam os participantes da política brasileira se a força da população fosse efetiva? 

Em essência, ainda cabe uma pergunta: quem vai defender os ficha limpas da coletividade para não se tornarem ficha sujas da justiça? A rigor, há políticos sérios neste país que lutam pelo desenvolvimento, democracia coletiva e igualdade social, que certamente reconhecem o poder hegemônico em uma sociedade desigual econômica, educacional e culturalmente, mas que, apesar de muitas vezes silenciosa, se mostra participativa.

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