Preconceito linguístico

Nem sempre expressar-se bem significa profundidade de conhecimento e sociabilidade. A barbárie está nas ações e diferenças sociais, o que inclui, substancialmente, pessoas que conhecem a linguagem culta

EDUCAÇÃO - Os livros aprovados pelo Ministério da Educação, que apresentam conteúdos que discorrem sobre o preconceito linguístico, causam uma grande celeuma no Brasil da linguagem culta, educados pelas grandes universidades, algumas até estrangeiras – uma minoria, bem verdade. A rigor, infelizmente a nossa sociedade convive com pessoas cultas, que nem sempre conhecem a língua padrão -  mas que se expressão muito bem com a cultura de outros países -, e os chamados “incultos”, os quais mal se comunicam conforme padrões linguísticos aceitos.

Parte de nossa elite, no entanto, muitas vezes, se “esquece”, é bom lembrar, as normas da linguagem nativa – em consequência do cosmopolitismo dos tempos globais. No entanto, se assustam, quando se deparam com a falta de regras básicas de grupos de pessoas, sem familiaridade com a normatização da língua portuguesa.

Historicamente, na sua essência, o Brasil tem relação com o Tupi-Guarani que é a verdadeira linguagem nativa, a rigor, antes da invasão da metrópole portuguesa em busca de riquezas e escravos. Como a comunicação torna-se fundamental para conhecer e dominar a cultura de um povo e explorá-lo economicamente, logo os Jesuítas se fazem responsáveis pela catequização e escolaridade dos nativos. Sem dúvida a cultura sofre modificações, apesar da resistência dos indígenas, que são obrigados a se inserem no novo sistema de comunicação.

Na dificuldade de transformar e organizar os habitantes do lugar, que se relacionam com a natureza e seus mitos, sendo a linguagem meio que forma sua construção deste mundo, o governo de Portugal, pensando na exploração e riquezas, obriga o uso da língua da metrópole, sob pena de sofrer as mais cruéis punições. A ascensão do português se faz a estrategicamente, com uso de diversos recursos coercitivos e simbólicos – a educação foi um deles.

De fato, a palavra não serve somente para se expressar, mas carrega com ela toda a identidade de um povo, sua cultura, relações e imaginários. Desta forma, a padronização de uma linguagem se deve a busca de uma sociedade que se organiza em torno de uma ordem simbólica (símbolos), definidos a partir de determinada estrutura de pensamento e comportamento. Sem dúvida, assim como ocorreu no Brasil colonial, grande número de brasileiros “defende” sua herança lingüística – afinal a escola, muitas vezes está numa distancia inimaginada da realidade de muitos -, com palavras e símbolos que representam sua origem que vem de séculos.

O ato de se comunicar não resulta simplesmente no falar-se bem, mas de falar com propriedade, de tal forma que locutor e interlocutor se comuniquem adequadamente, considerando, sobretudo que, ao falar, há por detrás lógicas culturais de identidade que certamente não se define por um padrão estabelecido pela academia ou meios de comunicação que pretende atingir a massa.

O preconceito linguístico existe por parte de jornalista, instituições e grupos sociais, a chamada elite cultural e econômica. Desta forma, cabem aos educadores levar aos estudantes o conhecimento estruturado sobre a norma culta, a linguagem da ciência, universitária – o seu lugar de fala. Contudo, não alijar o senso comum significa respeito à cultura e identidade de um povo. Nem sempre expressar-se bem significa profundidade de conhecimento e sociabilidade. A barbárie está nas ações e diferenças sociais, o que inclui, substancialmente, pessoas que conhecem a linguagem culta.

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Veja o que pensa o Jornalista Clóvis Rossi, em comentário publicado (domingo, 15) no jornal Folha de S. Paulo .

Inguinorança

SÃO PAULO - Não, leitor, o título acima não está errado, segundo os padrões educacionais agora adotados pelo mal chamado Ministério de Educação. Você deve ter visto que o MEC deu aval a um livro que se diz didático no qual se ensina que falar “os livro” pode.
Não pode, não, está errado, é ignorância, pura ignorância, má formação educacional, preguiça do educador em corrigir erros. Afinal, é muito mais difícil ensinar o certo do que aceitar o errado com o qual o aluno chega à escola.

Em tese, os professores são pagos -mal pagos, é verdade- para ensinar o certo. Mas, se aceitam o errado, como agora avaliza o MEC, o baixo salário está justificado. O professor perde a razão de reclamar porque não está cumprindo o seu papel, não está trabalhando direito e quem não trabalha direito não merece boa paga.

Os autores do crime linguístico aprovado pelo MEC usam um argumento delinquencial para dar licença para o assassinato da língua: dizem que quem usa “os livro” precisa ficar atento porque “corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico”.

Absurdo total. Não se trata de preconceito linguístico. Trata-se, pura e simplesmente, de respeitar normas que custaram anos de evolução para que as pessoas pudessem se comunicar de uma maneira que umas entendam perfeitamente as outras.

Os autores do livro criminoso poderiam usar outro exemplo: “Posso matar um desafeto? Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito jurídico”.

Tal como matar alguém viola uma norma, matar o idioma viola outra. Condenar uma e outra violação está longe de ser preconceito. É um critério civilizatório.
Que professores prefiram a preguiça ao ensino, já é péssimo. Que o MEC os premie, é crime.
 
crossi@uol.com.br

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