Nem tudo é caso de polícia

Se houver consumo indevido de drogas ou de álcool que possa atrapalhar a terceiros ou atividades didáticas, cabe à própria comunidade universitária adotar regras e mecanismos de fiscalização que coíbam esse tipo de prática
   
Força do Estado – Os Estudantes da USP e reitoria, em São Paulo, vivem uma questão realmente complicada: se a polícia deve ou não ter parte do campus da universidade. A questão seria de analisar se há a necessidade do Estado – com seu aparato de repressão – fazer vigilância dos alunos das diversas faculdades, o que pressupõe, na visão dos discente, impedir a liberdade e cercear o direito a crítica e decisões políticas. Afinal, os uspianos sofreram repressão pelo estado militar nos anos de chumbo. Por outro lado, a reitoria, burocratizada, muito próxima do governo paulista, vê que a segurança passa pelo oficial, com regras bem definidas e previsíveis para quem as seguem passavimente. Uma espécie de manutenção do poder, contra a resistência.

Além do mais não há unanimidade entre os estudantes, pois a outra parte entende que a segurança deve ser do Estado, que os protegeria da violência urbana que chega ao campus – ou está dentro dele. Uma realidade que pode ser analisada como se fosse indispensável se ordenar para ter liberdade, em conformidade com uma segurança, com regras definidas pelo oficial.

Bem verdade, que não é este o cotidiano de uma sociedade em todos os lugares, mesmo nos grandes centros urbanos. A proteção que deveria chegar a todos, por uma questão complexa, não chega aos diferentes rincões ou grupos sociais. A universidade (acadêmica) não está fora das lógicas sociais, mesmo considerando a lembrada USP.

Desta forma, o impasse continua, e no final as duas partes devem ceder, mas, a rigor, os alunos fazem sua parte ao questionar se a razão social passa pela força coercitiva do Estado, com repressão. Possivelmente, a solução dos problemas urbanos e acadêmicos se relaciona diretamente com o coletivo, quem cabe decidir.


Mais análises:

Folha de S. Paulo – opinião

A USP deve manter o convênio com a Polícia Militar?

NÃO

Polícia para quem precisa

HENRIQUE S. CARNEIRO

A crítica à Polícia Militar na USP se refere a sua utilização contra estudantes ou contra grevistas. Se há um agressor, estuprador ou assaltante armado, a PM será acionada como em qualquer outro crime. Mas revistar estudantes, dar buscas em centros acadêmicos ou prender jovens que fumam maconha em gramados do campus é não só dar destinação errada para a PM como extrapolar suas supostas funções de proteger a comunidade.

No que se refere ao crime na USP, pretexto para o uso da PM contra os estudantes, se sabe que a melhor proteção é a própria coletividade atenta e uma guarda bem treinada, bem equipada e com confiança comunitária. Em geral, não há crimes contra a pessoa ou contra o patrimônio à vista de todos, em lugares bem iluminados e cheios de gente. Por isso, em lugares em que há fluxo de estudantes, a vigilância ostensiva não é tão necessária, mas, sim, em lugares ermos ou nas entradas e saídas da universidade. A polícia priorizar a repressão ao uso de maconha é errado, porque isso a torna uma patrulha de costumes anti-estudantil.

Em breve, poderão prender também as fotocopiadoras ou quem vender cerveja em festas? Se o objetivo maior deve ser a manutenção da tranquilidade social, a intervenção da polícia não pode ser o agente que venha justamente provocar a ruptura dessa paz.

Se houver consumo indevido de drogas ou de álcool que possa atrapalhar a terceiros ou atividades didáticas, cabe à própria comunidade universitária adotar regras e mecanismos de fiscalização que coíbam esse tipo de prática. Até mesmo um cigarro de tabaco aceso em locais fechados é proibido e a comunidade deve, corretamente, buscar impedir quem fume um cigarro não respeitando o interesse coletivo. Ou devemos deixar a PM resolver isso também?

O uso de cigarros ao ar livre em lugar retirado, seja de tabaco, de cravo ou de maconha, não afeta ninguém além dos seus usuários. É uma conduta tipificada na teoria do direito como isenta de qualquer princípio de lesividade. O bem-estar público não é afetado. Ninguém tem ameaçados os seus direitos nem há nenhuma violência em curso. A própria legislação vigente p já entende que o uso de drogas em si não deve ser penalizado.

O uso de drogas por jovens não pode ser tratado como um caso de polícia. Menos ainda num ambiente escolar, onde o diálogo e a busca de soluções negociadas e não violentas devem ser uma parte constituinte do projeto pedagógico. A melhor segurança é uma guarda universitária modelo, bem equipada e não terceirizada.

A terceirização compactua com trabalho superexplorado e mal qualificado e afasta os serviços de segurança da relação orgânica com a comunidade. Um guarda funcionário da universidade conhece melhor a comunidade e pode melhor ajudar a dirimir problemas, assim como identificar as ameaças à segurança e constituir uma rede de inteligência, comunicação, proteção e confiança comunitária.

HENRIQUE S. CARNEIRO é professor doutor do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

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