UM ÍCONE NA CASA BRANCA

As mudanças não midiáticas são inexoráveis ao redor do globo e no centro. Se confirma a vitória de Obama, o mundo terá um ícone da alternância de idéias no comando, mesmo considerando que as mudanças sejam somente virtuais.

Analisar a sociedade como dinâmica certamente é uma tarefa árdua para quem deseja manter um modelo eternamente. Evidentemente que aqueles que estão no comando do poder, seja econômico ou político, não têm razão para apear do status quo e viver perigosamente em meio às dificuldades que assolam a grande maioria, alijada do jogo em que as regras lhe são desfavoráveis. Entretanto, o número faz a diferença, embora não seja, de fato, uma soma simples, com resultados previstos. Afinal, no social se forma o chamado efeito latente, idéias que ao longo dos anos vão se desenvolvendo, as quais provocam mudanças na estrutura, que não seria possível imaginar imediatamente, mas com o passar do tempo se tornam possíveis e necessárias. Neste propósito estão as eleições nos Estados Unidos, que provavelmente levarão ao poder um homem de origem simples, cujos requisitos faz emergir preconceitos que remontam a períodos tenebrosos da história ocidental.

Como não é possível conceber a idéia de que o governo de um império econômico, como os Estados Unidos, seja dirigido por apenas um homem, faz ressaltar a razão que há estratégias das lideranças econômicas e políticas na elevação ao poder de um homem que representa, de alguma forma, os menos afortunados, para não dizer muitos marginalizados. As mudanças de representação certamente vêm embasadas de sinais que se apresentam para os grupos líderes da nação americana e, desta forma, prevêem os anseios sociais, os quais demonstram necessidade de trocas de comando no poder. Neste sentido, muitos que deixaram transparecer conservadorismo quanto às mudanças, apostam na necessidade de trocas - é o que evidenciam os números das pesquisas eleitorais que apontam vitória de Barack Obama, democrata, e derrota de John MacCain, republicano e conservador, um homem conhecedor da guerra.

Afirmar que o democrata é progressista seria um erro, pois num império o conservadorismo é indispensável para manter a ordem. A rigor, o sistema precisa se estruturar não apenas internamente, como externamente; daí as medidas sempre adotadas na economia e no poder coercitivo (bélico) no sentido de ampliar o terror aos fora da lei imperial e a publicização dos prêmios para os conservadores dos bons costumes do país ordenador. Neste sentido, seria lúcido avaliar que os governos se tornam marionetes diante da força das leis tácitas que se apresentam na organização de um sistema global, com economia mundializada. Os meios de comunicação de massa se apresentam, nesta lógica, como o elo mediador para punições e premiações. Nada pode ficar às escondidas, tanto o sofrimento quanto a alegria em função dos resultados econômico e político. Obama tem o apoio de tradicionais empresas de comunicação e de grandes multinacionais americanas, o que fortalece a tese da manutenção da ordem econômica, pelo menos.

Entretanto, cabe ressaltar que o candidato democrata, diferentemente do republicano, tem mais a cara do popular. O que indica alterações na forma do núcleo ordenador de perceber a importância de valorizar o pensamento de uma maioria, que nem sempre foi ouvida, com exceção em alguns espasmos, devido à falta de controle, o que não parece ser a questão no momento, diante das mudanças de poder ocorridas em diversas nações globalizadas, principalmente nos países periféricos. Exemplos não faltam, a começar pela América Latina que não segue integralmente os desejos estruturantes dos países centrais. Assim como, o enfrentamento do oriente médio contra as determinações centrais e o crescimento econômico e participação das decisões mundiais de China e Índia, vistos como socialistas, ou comunistas radicais, dependendo do enfoque dado no momento.

As mudanças não midiáticas são inexoráveis ao redor do globo e no centro. Se confirmada a vitória de Obama, o mundo terá um ícone da alternância de idéias no comando, mesmo considerando que as mudanças sejam somente virtuais. Mas como todo signo tem a potencialidade de símbolo, isto nos arremete a alterações no modelo vigente. Caso isto não ocorra devemos esperar mais crises latentes, com resultados mais próximos.

QUEM VAI PAGAR A CONTA?

Uma questão: se houvesse lucratividade no negócio sacramento pelo alto retorno e riscos, com o sucesso esperado, certamente os investidores ficariam mais ricos e os demais brasileiros, na sua grande maioria, continuaria sua luta pertinaz pela sobrevivência nem sempre fácil.

Com a crise cravada no coração da principal potência econômica mundial, nos países ricos seguem um debate, simulado, na mídia sobre as formas de “salvar” o mundo da grande depressão econômica. Embora, o governo de George W. Bush tenha se decidido – embora isto já estava em curso nos bastidores políticos, com apenas aparência de discussão social – pela ajuda de bilhões aos bancos e agências financeiras atolados no pântano da economia global. Terreno movediço que se formou depois de várias décadas de resultados astronômicos e enriquecimento de um número reduzido de investidores nas bolsas de valores. Neste momento, entretanto, cabe uma pergunta: com o fim da festa – com um prejuízo incalculável – com a gastança exagerada na manutenção de status e riqueza, quem vai pagar a conta? Pelo que se percebe será a sociedade, de preferência global-periférica. A velha máxima de lucros particulares e prejuízos socializados. A festança é privada, a conta é pública.

Nos Estados Unidos e Europa a socialização dos prejuízos está definida, o que gerou descontentamento no país norte-americano, acontecimentos públicos que não receberam destaque da mídia, embora ocorressem manifestações populares nas ruas da nação vista pela mídia como um lugar de paz, ordem e desenvolvimento permanente – um porto seguro devido ao liberalismo econômico. Na verdade, o resultado será o aumento do número de pobres que serão responsáveis pela conta salgada que deve chegar a trilhões de dólares.

No país mais rico do mundo, agora em crise, resta esperar a tomada pelo poder de um governo capaz de resolver a aparente depressão econômica. Duas alternativas: um conservador, com pensamento parecido com o do atual governo, John McCain ou Barack Obama, um intelectual que se mostra liberal, embora de origem humilde, filho de pai africano. O fato é que qualquer um deles terá que prestar conta aos grandes donos do capitalismo mundial, certamente numa infindável discussão que resultará numa solução simples: a manutenção do modelo econômico vigente. Cabe a sociedade aceitar ou não, desta forma, responsável pelas mudanças indispensáveis para um modelo que se apresenta esgotado.

No Brasil, torna-se assustador o discurso recorrente dos meios de comunicação de massa, puxado pela revista Veja e Folha de S. Paulo, veículos de grande audiência, sobre a necessidade do governo de custear a derrocada de empresários “empreendedores” que investiram pesadamente no mercado financeiro, e, agora, tem uma conta a ser quitada.

Uma questão: se houvesse lucratividade no negócio sacramento pelo alto retorno e riscos, com o sucesso esperado, certamente os investidores ficariam mais ricos e os demais brasileiros, na sua grande maioria, continuaria sua luta pertinaz pela sobrevivência nem sempre fácil. Pessoas responsáveis pela luta diária para manter-se viva em um país cuja estrutura de tão capenga que os nativos já se acostumaram com as enormes filas nos hospitais públicos, humilhação cotidiana a ser destaque nos grandes centros financeiros como pela falta de educação de qualidade, infraestrutura básica. A rigor, convivem com a falta de recursos para se adquirir o básico necessário. Mas diante da crave crise que assola tais empresários visionários, o resultado apresentado pela mídia é o endividamento do Estado, ou seja, dinheiro público para financiamento da crise edificada nos espaços particulares.

A cada dia os enunciadores midiáticos aprofundam o problema, com alarde de uma crise que deverá chegar aos subdesenvolvidos, que, de fato, não está imune a quebradeira, embora em melhores condições que há décadas. No caso do Brasil numa situação menos dramática daquela sob gestão do Fundo Monetário Internacional (FMI) – instituição criticada devida a incapacidade de prever a crise, possivelmente partícipe do jogo que culminou com a depressão.

Talvez os meios de comunicação, produzido por jornalistas que conhecem a realidade melhor que muitos dos cidadãos do país, e suas respectivas fontes, devessem esclarecer melhor a real situação da derrocada financeira global, sem os simulacros que além de desnecessários, pode aprofundar a situação de penúria que vive milhares de pessoas ao redor do mundo, inclusive no Brasil, em benefício daqueles que sempre tiveram a proteção do Estado, com gastança do dinheiro público.

O PENSAMENTO ÚNICO RUIU

Embora tenhamos muitas questões a serem analisadas neste momento de quebradeira dos bancos, ícones da globalização, devemos analisar como as informações continuam na direção de ratificar o pensamento único, advindo de uma realidade que nunca existiu.

O sistema global começa a implodir, finalmente, depois de várias décadas de expansão exagerada do setor financeiro e a disseminação da desigualdade social. Na verdade este é o resultado de um mundo que se tornou excessivamente homogêneo, numa visão singularmente econômica, com grandes dificuldades de estar nele para uma população que se tornou refém das redes financeiras, sustentada pelo discurso dos meios de comunicação de massa, sempre em expansão, como suporte de informação e publicização de imagem de força, ordem, igualdade e crescimento. Infelizmente, a realidade que se mostrou e que se mostra não é esta como se vê, mais nitidamente agora, com a crise dos mercados globais, o motor deste sistema de fluxo financeiro contínuo e imediato está com a engrenagem avariada.

Embora tenhamos muitas questões a serem analisadas neste momento de quebradeira dos bancos, ícones da globalização, devemos analisar como as informações continuam na direção de ratificar o pensamento único, advindo de uma realidade que nunca existiu, sempre construída a partir de interesses tão-somente particulares de grandes grupos centrados no financeiro e político. Neste sentido, até mesmo os representantes simbólicos desta estrutura, que por ora está em xeque, são colocados como bode expiatório. Como exemplo o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, aparece para a mídia brasileira como uma figura do fracasso, incapaz de dar suporte para a resolução do problema, como se fosse o responsável pela crise que abate o setor bancário e países centrais. Se um dia representou a figura capaz de liderar uma ordem global, livrando o mundo do caos, cujo epicentro viria das regiões periféricas, agora o chefe estadunidense aparece como incapaz, uma autoridade sem carisma e competência. O líder liberal impopular jogado a própria sorte, de um destino inevitável.

O surgimento dos chamados bode expiatório se faz uma estratégia muito simplista, para não dizer maldosa, que visa apresentar para a sociedade pessoas culpadas pelos erros que assola comunidades inteiras espalhadas pela aldeia global. A rigor, estratégia se mostrou eficiente no Brasil por muitos momentos, como no caso Collor de Melo, governos militares, crises no parlamento brasileiro, com emblemático caso Renan Calheiros. No final, apenas uma atitude de agradar pessoas atingidas pela crise, como forma de compensação por algo que sensibiliza negativamente a opinião pública. O problema continua do mesmo tamanho, ou talvez mais complexo, entretanto, com o alento público. Indubitavelmente, Bush não é o único culpado pela crise, afinal, não existe país de apenas uma pessoa que o dirige. Por trás de qualquer governo há grupos que representam interesses os mais diversos. No mundo globalizado liberal, na base de um governo está o setor financeiro, primordialmente – consensualmente, o que representa o desenvolvimento e as grandes transformações sociais. No Brasil não é diferente.

As grandes questões que se surgem neste instante: a rigor, estamos ou não numa grave crise? Haverá mudanças na estrutura do sistema liberal que, ao longo das últimas décadas, quis um estado submetido aos interesses econômicos, simplesmente? Continuará a pressão política pela redução do Estado do bem-estar social? Questões difíceis de responder, entretanto, na mídia é possível perceber a busca de relatos de personalidades do setor financeiro para reforçar que se trata apenas de uma crise passageira, que no final estaremos todos muito bem, e, certamente, melhores, numa sociedade dirigida por pessoas da mais alta competência, até porque as crises no capitalismo são inevitáveis. O que não se mostra tão simples é imaginar que muitos ficarão na miséria enquanto aqueles os quais sempre foram privilegiados continuarão bem financeiramente e em condições para liderar a passagem para um sistema que se mantém como antes, ou seja, centralizador, sistematizador. Como discurso tal afirmação pode não se materializar.

Os discursos, ou melhor, as notícias estampadas nos meios de comunicação de massa, salvo exceção, dão conta da crise, mais apresenta o terror de uma sociedade diferente daquela idealizada como a ideal, ou seja, de mercados liberais. Deste modo, a mídia se torna, como sempre se apresentou, como importante veículo para difundir os mesmos ideais, apesar da aparência de mudanças. Ademais, mantém-se como o importante meio para evitar tensões e estabelecer manutenção da ordem, apesar do derretimento de um sistema que se passa por eficiente, mas determinante. Depois da turbulência, o pensamento econômico não continuará único, pois, a comunicação fora das redes tem seu fluxo.